Pensamos todos os dias no valor incomensurável dos filhos e dos pais, sabemos o quanto vale cada amigo, mas não contabilizamos os irmãos
(TEXTO E FOTO RETIRADO DE UM OUTRO BLOG)
"Só se percebe verdadeiramente a
importância das coisas ou das pessoas quando as perdemos. Quando as
consideramos tão garantidas como o ar que respiramos, nem pensamos no seu
valor. Não fazemos contas, assim como um milionário não faz contas para ir à
mercearia nem sabe as oscilações do preço da bica. Com os irmãos é assim que as
coisas funcionam. E é por isso que funcionam tão bem.
Nós não sabemos quanto vale um irmão. Nem
pensamos nisso. Pensamos todos os dias no valor incomensurável dos filhos e dos
pais, sabemos o quanto vale cada amigo, mas não contabilizamos os irmãos. É
diferente com eles. É diferente porque os irmãos são de graça. Eles caem-nos ao
colo sem planeamento, sem poder de escolha, sem pensarmos nisso. Também é
diferente porque nós crescemos com eles e crescemos juntos em tudo. Começamos
desde pequeninos a lutar, a brincar, a discutir, a partilhar a casa de banho, o
quarto, as meias, os jogos, os pais e os outros irmãos. Eles crescem a meias
connosco e por isso acabam por ficar mais ou menos nós.
E é por isso que os irmãos nos conhecem
melhor que os nossos pais ou amigos. Conhecem-nos os tiques, as fraquezas, os
gostos e as sensibilidades; sabem o que quer dizer cada expressão nossa, aquilo
que nos faz chorar e os limites da nossa tolerância. Também sabem que podem
ultrapassar todos esses limites porque nada acontece, porque não há divórcios
de irmãos. Os irmãos não prometem amar-se na saúde e na doença até que a morte
os separe. Não precisam: quer prometam quer não, quer queiram quer não, é mesmo
assim que vão viver.
Em todas as outras relações é preciso
tempo. É preciso guardar tempo e ter tempo para estreitar laços, criar
cumplicidades, ganhar confiança ou aprofundar as relações. Mas os irmãos não
precisam de tempo. Nós gostamos dos nossos irmãos o mesmo que sempre gostámos
apesar do tempo. Nem mais nem menos um bocadinho que seja. Podemos passar anos
sem nos falar que não é por isso que as cumplicidades, os laços, a confiança
(muita ou pouca) se esvanece. Os irmãos são imunes ao tempo, à distância ou às
zangas e isso torna-os à prova de tudo.
Com os irmãos, ao contrário do que
acontece com todas as outras pessoas, também não precisamos de falar: basta
estar. Se falarmos e rirmos uns com os outros, melhor, é uma espécie de bónus;
se discutirmos, melhor ainda: quer dizer que podemos, quer dizer que somos tão
irmãos que até podemos discutir violentamente e continuar a ser irmãos. Até ao
fim.
Eu tenho a suprema sorte de ter oito
irmãos. Ter oito irmãos quer dizer ter oito melhores amigos, quer dizer ter
oito pessoas que se atiravam a um poço para me salvar (espero...) e oito
pessoas a gostar incondicionalmente de mim ao mesmo tempo. Já perdi dois deles,
o mais velho e o mais novo. Perdi-os numa idade em que não se perdem irmãos e
eles morreram estupidamente numa idade em que não é suposto morrer. Não foi
quando eles partiram que eu tive consciência do valor de cada um deles, mas foi
quando eles morreram que eu percebi que esse valor é incomensurável, que quando
morre um irmão morre um bocadinho de nós. Percebi que há uma parte de nós que é
só deles e essa parte desaparece com eles.
Sei perfeitamente que o melhor presente
que dei aos meus filhos foi cinco irmãos a cada um, mas também sei que eles
ainda não fazem ideia do valor de cada irmão. Por enquanto discutem mais do que
aquilo que brincam, dividem mais do que aquilo que partilham e desconfio que
teriam escolhido um cão e uma viagem à Eurodisney a um bebé novo, caso eu lhes
tivesse dado a escolher. Mas os silêncios entre eles são cada vez mais frequentes
e os silêncios entre irmãos são tudo.
O Dia dos Irmãos, que a Associação das
Família Numerosas propôs que se passe a comemorar no próximo ano, é para
celebrar tudo isto e é necessário comemorar tudo isto. Não é que os irmãos
precisem de um dia, porque não precisam, é apenas por o merecerem. Os meus,
pelo menos, mereciam um dia para cada um."
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